O livre fluxo de informações e ideias ocupa justamente o cerne da noção de democracia e é crucial para o efetivo respeito aos direitos humanos. Se o direito a liberdade de expressão – que compreende o direito de buscar, receber e transmitir informações e ideias – não é respeitado, não é possível exercer o direito ao voto, além das violações de direitos humanos ocorrerem em segredo, e de não haver como denunciar a corrupção e a ineficiência
dos governos.
A importância do direito a informação ou do direito a saber é um tema cada vez mais constante no discurso dos especialistas em desenvolvimento, da sociedade civil, dos acadêmicos, da mídia e até dos governos.
Que direito é este? Trata-se realmente de um direito? Como os governos têm procurado concretizá-lo?
Padrões e tendências internacionais
O direito a informação também foi vinculado ao direito ao meio ambiente, a informação sobre os direitos humanos e ao direito a participação nos assuntos públicos. O direito à informação mantida por órgãos públicos também foi vinculado a objetivos sociais pragmáticos, como o controle da corrupção.
Nações Unidas
A noção de “liberdade de informação” foi reconhecida, inicialmente, pela ONU. Em 1946, durante sua primeira sessão, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 59 que afirmava: “A liberdade de informação constitui um direito humano fundamental e […] a pedra de toque de todas as liberdades a que se dedica a ONU”.
Informação sobre direitos humanos
Houve também iniciativas na comunidade internacional para reconhecer especificamente o direito a informação em relação aos direitos humanos. Em 1998, a Assembleia Geral da ONU adotou a Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais Reconhecidos Universalmente os defensores da Declaração dos Direitos Humanos. O Artigo 6 dispõe especificamente sobre o acesso à informação sobre direitos humanos:
Todos têm o direito, individualmente e em associação:
(a) De saber, buscar, obter, receber e deter informações sobre todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, inclusive o acesso à informação relativa ao modo como esses direitos e liberdades são efetivados nos sistemas legislativos, judiciários e administrativos nacionais;
(b) Conforme o disposto nos instrumentos sobre direitos humanos e outros instrumentos internacionais aplicáveis, de publicar, transmitir ou divulgar livremente informações e conhecimento sobre todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
Direito a participação política
O direito internacional garante aos cidadão e cidadãs o direito a participação nos assuntos políticos. Por exemplo, o Artigo 25 do ICCPR garante o direito dos cidadãos e cidadãs de “tomar parte da condução dos assuntos públicos, por meios diretos ou de representantes livremente escolhidos” bem como de, especificamente, votar em eleições periódicas que garantam “a livre expressão da vontade dos eleitores”.
Claro está que o livre fluxo de informações é essencial para incentivar a participação dos indivíduos.
O ARTIGO 19 classificou a informação de “oxigênio da democracia”. O Relatório do Pnud sobre Desenvolvimento Humano de 2002, “Aprofundar a Democracia em um Mundo Fragmentado” apresenta o debate fundamentado como o “fluido vital das democracias” e afirma:
É possível que nenhuma reforma seja tão significativa para fazer as instituições democráticas funcionarem quanto a reforma da mídia: a construção de meios de comunicação diversos e pluralistas livres e independentes, que alcancem acesso e divulgação em massa, e que apresentem informações precisas e imparciais.
A luta contra a corrupção
A necessidade de acesso à informação sob o controle de órgãos públicos como ferramenta para ajudar no enfrentamento do sério e difícil problema do combate à corrupção possui amplo reconhecimento. Em 2003, a publicação anual da Transparência Internacional, o relatório sobre a corrupção global, trouxe um especial sobre o acesso a informação, destacando sua importância no combate à corrupção.
O acesso a informação é “talvez a mais importante arma contra a corrupção.”
Princípios de um regime de direito a informação
Princípio 1. Divulgação máxima
A legislação sobre liberdade de informação deve ser guiada pelo princípio da máxima divulgação.
A Declaração Conjunta dos mandatários especiais para liberdade de expressão contém uma veemente e explícita assertiva acerca da divulgação máxima:
O direito de acesso à informação em posse das autoridades públicas constitui um direito humano fundamental que deve ser efetivado em nível nacional por meio de legislação abrangente (leis de liberdade de informação, por exemplo) baseada no princípio da máxima divulgação, estabelecendo a presunção de que toda informação é acessível sujeita somente a um sistema estrito de exceções.
Princípio 2. Obrigação de publicar
Os órgãos públicos devem ter a obrigação de publicar informações essenciais
A liberdade de informação implica que os órgãos públicos publiquem e divulguem amplamente documentos de interesse público significativo, como por exemplo informações operacionais sobre o funcionamento do órgão público e o conteúdo de eventuais decisões ou políticas que afetem a população.
Princípio 3. Promoção de um governo aberto
Os órgãos públicos precisam promover ativamente a abertura do governo
Na maioria dos países, existe uma cultura arraigada de sigilo no âmbito do governo, com base em práticas e atitudes há muito estabelecidas. O direito a informação depende, em última análise, da mudança desta cultura já que é praticamente impossível forçar os servidores públicos a se mostrarem abertos, mesmo com as legislações as mais progressistas.
Princípio 4. Abrangência limitada das exceções
As exceções devem ser clara e estritamente definidas e sujeitas a rigorosos testes de “dano” e “interesse público”
Os Padrões da ONU também exigem a criação de exceções por lei e a sua estrita definição:
Uma recusa de divulgação de informações não pode basear-se no objetivo de proteção dos governos contra constrangimentos ou exposição de atos ilícitos; uma lista completa dos objetivos legítimos que podem justificar a não divulgação deve ser prevista na lei, e as exceções devem ser definidas de forma estrita de modo a evitar a inclusão de informações que não prejudicam o interesse legítimo.
Princípio 5. Procedimentos que facilitem a acesso
Os pedidos de informação devem ser processados com rapidez e justiça, com a possibilidade de exame independente caso haja recusa
O Princípio 5 da Commonwealth, simplesmente, sugere que as decisões de recusa de divulgação fiquem “sujeitas ao exame independente”, ao passo que a Declaração Conjunta dos mandatários especiais aponta para um direito de apelação contra tais recusas “perante um órgão independente com plenos poderes para investigar e solucionar tais queixas”, sugerindo que algo que não os tribunais possa ser vislumbrado.
Princípio 6. Custos
As pessoas não devem ser impedidas de fazer pedidos de informação em razão dos altos custos envolvidos
A Convenção de Aarhus possui regras, razoavelmente, detalhadas no que se refere a taxas, com o Artigo 4(8) afirmando o seguinte:
Cada parte poderá permitir que suas autoridades públicas apliquem uma taxa para o fornecimento de informações, mas a taxa não deverá exceder um valor razoável. As autoridades públicas que pretendam aplicar a taxa de prestação de informações deverão disponibilizar aos requerentes uma tabela das possíveis taxas, indicando as circunstâncias em que poderão ser cobradas ou dispensadas, e os casos em que o fornecimento das informações está condicionado ao pagamento adiantado da referida taxa.
Princípio 7. Reuniões abertas
As reuniões de órgãos públicos devem ser abertas ao público
Os Princípios do Artigo 19 incluem a noção de reuniões abertas.A lógica subjacente ao direito a informação aplica-se, por princípio, não apenas às informações registradas, mas também às reuniões de órgãos públicos.Em outras palavras: deveria fazer pouca diferença se as informações em questão são transmitidas por registro permanente ou oralmente durante uma reunião. Os Padrões da ONU corroboram isso: “A lei [sobre direito a informação] deveria estipular a presunção de que todas as reuniões dos órgãos do governo fossem abertas ao público”.
Princípio 8. A divulgação tem precedência
As leis que não estejam de acordo com o princípio da máxima divulgação devem ser revisadas ou revogadas
Princípio 9. Proteção para os denunciantes
Os indivíduos que trazem à público informações sobre atos ilícitos – os denunciantes – precisam ser protegidos
Direito de acesso
A criação de um direito de acesso à informação em posse de órgãos públicos é o motivo fundamental para a adoção de uma lei de direito a informação, de modo que a maioria das legislações faz isso de forma bastante evidente. Em alguns casos, como no das leis do México e da Jamaica, isso é definido como um direito autônomo, sujeito ao regime de exceções. Em outros casos como, por exemplo, o da Tailândia e o do Reino Unido, o direito é expresso mais em termos de procedimentos, determinando que qualquer pessoa pode fazer uma solicitação de informação e, observadas determinadas condições – procedimentais e substantivas –, receber as informações. Não fica claro se isto faz muita diferença na prática, embora um enfoque calcado em direitos possa mostrar-se importante no decurso do tempo.
Dever de publicar
A maioria das leis pesquisadas impõe aos órgãos públicos a obrigação de publicar determinadas informações essenciais, mesmo na ausência de uma solicitação, à exceção das leis da Suécia, África do Sul e do Japão, em que as regras mais genéricas podem, ainda, ser aplicadas. Isto se dá em reconhecimento do fato de que a promoção efetiva do acesso à informação mantida por órgãos públicos requer mais do que o fornecimento passivo de informações em resposta a solicitações. Com efeito, há reconhecimento crescente de que este é um dos sistemas mais importantes para promover o acesso à informação em posse dos órgãos públicos. Várias das leis de direito a informação mais novas contam com amplas regras acerca da publicação proativa ou de rotina.
Exceções
A maioria das leis incorpora uma lista abrangente de exceções, ou motivos para a recusa da divulgação de informações, muito embora não seja este o caso de algumas, que, em vez disso, fazem menção a leis de sigilo existentes. Enquadram-se nesta situação a Bulgária e o Quirguistão. Essa é uma questão bastante polêmica, que pode prejudicar, seriamente, o regime de abertura.
Recursos
É de reconhecimento generalizado que as pessoas devem ter o direito de registrar reclamações ou recursos, quando julgam que suas solicitações de informação não receberam o devido tratamento, em particular, quando lhes é negado o acesso a informações buscadas. Diferentes leis oferecem diferentes opções de reclamação. Uma queixa interna é uma opção comum, assim como uma reclamação a um órgão de supervisão independente e/ou à justiça. Claro está que algum tipo de supervisão independente é necessária, já que, do contrário, as decisões quanto à divulgação ou não de informações ficam à mercê, em última análise, da discricionariedade das autoridades públicas.
Conclusão
Em sua melhor manifestação, o direito a informação é capaz de proporcionar importantes benefícios sociais. Ele pode oferecer valioso embasamento para a democracia, alimentando a capacidade das pessoas de participar de forma efetiva e cobrar dos governos. Exemplos do uso do direito a informação para expor a corrupção são abundantes e poderosos, indo desde casos de base associados à garantia dos meios de subsistência até grandes escândalos de corrupção que derrubaram governos. O direito a informação também já foi usado de forma menos espetacular, porém não menos importante, para assegurar um eficiente fluxo de informações entre o governo e o setor privado.
Idealizador : Cícero Alves
cicerofloriano@uol.com.br
http://inteligenciadigital.wordpress.com
Obrigada Cícero pela excelente contribuição.
ResponderExcluirO direito de informação é realmente direito fundamental.
Não podemos conceber democracia onde informações que deveriam ser publicadas são relegadas ao conhecimento de alguns, com a desculpa do sigilo institucionalizado.
Cícero, conheço bem essas limitações, mesmo tendo a Constituição a nosso favor, precisamos de uma reforma e colocação urgente do interesse público acima do privado, encontrando respaldo para opinar sobre as mazelas da segurança pública sem retalhações de quem comanda e trabalha para manutenção deste modelo falido.
ResponderExcluirAbraços!!