Transparência
Lei de acesso a informações públicas diminuirá distância entre população e governo
Em países em que a norma já funciona, pessoas pobres puderam impedir a corrupção em programas sociais ao solicitarem dados do governo
por Adriana Caitano - http://veja.abril.com.br/noticia/brasil 22/04/11 - 7h49
“O único risco que pode acontecer é de os atos dos governos, de  políticos ou de agentes públicos serem descobertos mais rapidamente e  terem uma punição" - Georgete Medleg Rodrigues, professora de Ciência da  Informação da UnB
O Brasil está prestes a ter sua primeira lei efetiva dando direito à  população de acessar informações que deveriam ser públicas. Se isso  acontecer, entrará na lista de mais de 90 países do mundo em que há essa  possibilidade. Em boa parte deles, muito além de facilitar a vida de  jornalistas, a criação da lei diminuiu a distância entre cidadãos e  governo, deu a pessoas pobres a chance de mudar de vida e reduziu a  corrupção e a burocracia. No entanto, nem todas as normas são  condizentes com o que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera  ideal, nem mesmo a brasileira.
O projeto de lei 41/2010, que trata do acesso à informação no Brasil, já passou pela Câmara dos Deputados e por duas comissões do Senado.  Nesta semana, se houver acordo dos líderes, poderá ser aprovado no  plenário e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, que o apóia, no  dia 3 de maio – Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Em seguida, o  governo terá dois anos para classificar a confidencialidade de cada  documento como reservado, secreto ou ultrasecreto. O prazo máximo de  sigilo para a última categoria será de 25 anos prorrogáveis por mais 25.
A proposta prevê a obrigação de os órgãos públicos e entidades ligadas  ao governo tornarem disponíveis todas as suas informações, de forma  acessível para leigos, em formato eletrônico. Os dados não divulgados  poderão ser requeridos por qualquer cidadão e fornecidos no prazo máximo  de 20 dias. “Ao contrário do que acontece hoje, o sigilo passará a ser  exceção e não regra”, explica o coordenador de projetos de acesso à  informação da ONG Artigo 19 no Brasil, Arthur Massuda.
Para Massuda, a proposta brasileira avança em pelos menos mais dois  pontos: a obrigação de os órgãos terem pelo menos uma pessoa para cuidar  dos pedidos de acesso aos dados e a exigência de haver treinamento para  todos os funcionários públicos sobre as novas regras. “Hoje existe uma  cultura do sigilo, às vezes o servidor não fornece as informações porque  não sabe se pode, com a lei ele vai ter que disponibilizá-las, porque a  princípio tudo será público. A cultura vai passar a ser a da  transparência”, comenta o coordenador.
A aprovação do projeto também sofre resistência por parte de grupos  conservadores que consideram a abertura de dados públicos perigosa para a  segurança do país. A professora de Ciência da Informação da  Universidade de Brasília (UnB) Georgete Medleg Rodrigues ironiza o  argumento: “O único risco que pode acontecer é de os atos dos governos,  de políticos ou de agentes públicos serem descobertos mais rapidamente e  terem uma punição. Como preconizava o filósofo Kant, num texto clássico  de 1795, todas as ações referentes ao direito de outros homens, cujas  máximas não são compatíveis com a publicidade, são injustas”.
No entanto, tanto Massuda quanto Georgete apontam falhas no projeto que  está prestes a ser aprovado no Brasil. A principal é a falta de uma  organização independente para acompanhar o processo de divulgação dos  dados e analisar se a lei está sendo cumprida. A proposta que tramita no  Congresso prevê que quem tiver o acesso a uma informação negado deverá  recorrer à Controladoria Geral da União (CGU), ligada ao governo  federal. “As leis mais avançadas preveem uma instância recursal  independente e com representantes da sociedade civil. Parece-me que no  Brasil, nesse ponto, há uma ênfase mais na proteção do sigilo do que na  ampliação do acesso”, critica a professora.
Padrões internacionais - Em 2000, um integrante da ONG  Artigo 19 de Londres criou uma lista de princípios a serem considerados  para a criação de legislações sobre o assunto. A ONU endossou e  recomendou todos os pontos aos países membros. Os nove itens determinam  que as informações devem não apenas ser divulgadas, mas publicadas pelos  próprios órgãos ligados ao governo de forma acessível para todos os  cidadãos. Um dos pontos destaca ainda que o sigilo deve ser exceção e  apenas nos casos em que o prejuízo de sua divulgação for maior que o  interesse público.
Em todo o mundo, o México é considerado um dos países onde a lei de  acesso a informações públicas é mais próxima do padrão da ONU. Lá, as  instituições do governo são obrigadas a ter seções específicas para  facilitar a divulgação dos dados e há um órgão independente para  fiscalizar se a norma está sendo cumprida. As informações que devem ser  sigilosas ou reservadas são detalhadamente especificadas em categorias,  mas o segredo é sempre menos prioritário que a publicidade dos dados.
Na Índia, o acesso a dados públicos não chega a ser um modelo, mas a  diferença foi sentida até por quem mal sabia ter esse direito. Em 2010, o  jornal americano The New York Times relatou o caso de uma  diarista bastante pobre que esperou receber um auxílio moradia do  governo durante quatro anos, enquanto via seus vizinhos mais ricos tendo  o benefício com mais facilidade. Quando ela solicitou a lista de quem  teve o auxílio antes dela e quis saber por que isso aconteceu,  rapidamente foi incluída no programa. Em outro caso, assim que moradores  de um vilarejo solicitaram a tabela de presenças de um médico que não  aparecia no posto em que deveria estar, ele ressurgiu e nunca mais  faltou.
 
 
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