18 de maio de 2011 - blog do Valther
Um garoto pobre, que perdeu o pai em um acidente de trânsito, pediu  ajuda da Justiça Gratuita, mas um juiz negou. A negativa, por si só já comove,  principalmente pela falta de humanidade. Só que, a decisão de um desembargador é  ainda muito mais emocionante. 
Decisão do desembargador José Luiz Palma Bisson, do Tribunal de  Justiça de São Paulo, proferida num Recurso de Agravo de Instrumento ajuizado  contra despacho de um Magistrado da cidade de Marília (SP), que negou os  benefícios da Justiça Gratuita a um menor, filho de um marceneiro que morreu  depois de ser atropelado por uma motocicleta. O menor ajuizou uma ação de  indenização contra o causador do acidente pedindo pensão de um salário mínimo  mais danos morais decorrentes do falecimento do pai. Por não ter condições  financeiras para pagar custas do processo o menor pediu a gratuidade prevista na  Lei 1060/50. O Juiz, no entanto, negou-lhe o direito dizendo não ter apresentado  prova de pobreza e, também, por estar representado no processo por “advogado  particular”. A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a partir  do voto do desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser comentadas,  guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no Judiciário.  Transcrevo a íntegra do voto: 
“É o relatório. Que sorte a sua,  menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de  coração duro – ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você  perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria  do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar.  
Fez caber a mim, com efeito, filho  de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna. Aquela para mim  maior, aliás, pelo meu pai – por Deus ainda vivente e trabalhador – legada,  olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em paubrasil, e que,  aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa  quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro,  devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais,  tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz  lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e  tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro – que nem existe  mais – num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em  que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali  tostado no paralelo da faina menina. 
Desde esses dias, que você menino  desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são  ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino  saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria  saber quem é. O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta  a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal  de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto  Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de  pobreza exuberante. Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino,  no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo,  para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você  nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres. Por conseguinte um  deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com  defensor particular. 
O ser filho de marceneiro me ensinou  inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao  revés a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as  causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou,  em certa feita, como me lembro com a boca cheia d’água, de um prato de alvas  balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e  inesquecível prazer que me proporcionou. Ademais, onde está escrito que pobre  que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo?  Quiçá no livro grosso dos preconceitos… 
Enfim, menino, tudo isso é para  dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobr eza que, no seu caso,  grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir. Fica este seu agravo de  instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a  antecipação da tutela recursal. É como marceneiro que voto.  
JOSÉ LUIZ PALMA BISSON – Relator  Sorteado”
 
 
No mínimo emocionante. Obrigada Rogério por suas contribuições.
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