Segurança Pública
Carlos Fernando Priolli L'Apiccirella
Delegado de Polícia
Delegado de Polícia
Diz o Professor De Plácido e Silva: "Segurança: derivado de segurar, exprime, gramaticalmente, a ação e efeito de tornar seguro, ou de assegurar e garantir alguma coisa. Assim, segurança indica o sentido de tornar a coisa livre de perigos, de incertezas. Tem o mesmo sentido de seguridade que é a qualidade, a condição de estar seguro, livre de perigos e riscos, de estar afastado de danos ou prejuízos eventuais. E Segurança Pública? É o afastamento, por meio de organizações próprias, de todo perigo ou de todo mal que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade de cada cidadão. A segurança pública, assim, limita a liberdade individual, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode turbar a liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a".
Sendo assim, todas as pessoas, físicas ou jurídicas, de Direito Privado ou Público, são responsáveis pela Segurança Pública e devem agir no sentido de assegurar a ordem pública. E quando todos falham, o problema vai gerar infrações penais que, em última instância, devem ser prevenidas ou reprimidas pelas entidades de segurança pública em sentido restrito, a Polícia Federal e as Polícias Estaduais. A respeito das Estaduais, ocorre uma dicotomia, isto é, a divisão da corporação em Polícia Civil e Polícia Militar, explicada pela origem das palavras. Civil é a etimologia romana e, no conceito original, refere-se àquele que tinha o direito de influir na gestão do espaço público e se domiciliava na cidade. Militar era a antítese de Civil e se fixava fora da cidade. As legiões romanas eram sediadas fora dos limites das cidades e tinham por missão defendê-las de invasores. Não podiam entrar na cidade sem permissão do governo. No final do Império Romano surge o pretorianismo, militarização transitória de algumas funções de segurança pública. A expressão Polícia é, pois, exclusivamente civil, eis que deriva do grego polis - que significa cidade - e do latim civitas - que significa civil. E, assim, a expressão Polícia Civil é redundante, um pleonasmo, e Polícia Militar é contraditória.
A Polícia é a organização administrativa que tem a função de impor limitações à liberdade de indivíduos ou grupos, medida necessária à salvaguarda e manutenção da ordem pública. Neste sentido é que se fala em polícia sanitária, polícia aérea, polícia ambiental, marítima, rodoviária, ferroviária, de diversões públicas, do Exército, de segurança, etc. No entanto, a polícia mais evidente é a de segurança pública: ela representa a força do Direito. Com o surgimento de novos fatores anti-sociais, a polícia precisou se especializar e atualmente apresenta-se em duas atividades ou funções: a preventiva - de proteção individual ou coletiva -, e a repressiva - judicial. Daí a necessidade de uma polícia fardada, o que levou a confusão ou interpretação de ser militar a sua cultura e formação. Assim há polícia fardada difundida em todo o mundo, mas sem vínculo com as Forças Armadas, estas de cunho eminentemente militar, com funções externas de combate e extermínio do inimigo: o militar recebe treinamento para a guerra. Este é o fator de onde decorre uma distância muito grande entre o policial e o militar, porque aquele é treinado para prevenir e reprimir não o homem, mas o crime do homem, enquanto que o militar é treinado para o extermínio do inimigo. O policial é um profissional do Direito, tanto como o Juiz, o Advogado, o Promotor de Justiça - jamais um profissional da guerra. E, num Estado de Direito, não há espaço para tal desvio, já sedimentado por razões políticas ou incúria administrativa (desleixo, falta de cuidado ou aplicação).
Como se tal não bastasse, agravou-se a situação: enquanto o discurso é para uma Polícia única, no Estado de São Paulo criou-se uma terceira polícia, a técnico-científica, com o advento da Superintendência que abrange o Instituto de Criminalística e o Instituto Médico Legal. Onde há divisão, há um enfraquecimento, além disso, há gastos duplicados e agora triplicados. Pior que isto, é que tais divisões vêm dificultando excessivamente uma ação integrada de prevenir e reprimir, graças às cisões em suas atribuições e disputa de área de atuação. Além disto, a crise econômica atinge também os policiais, que deveriam ter um tratamento diferenciado. Há, então, um descontentamento que nem mesmo a rígida disciplina castrense consegue conter o perigo de uma polícia desmotivada, desamparada, com policiais residindo com suas famílias em locais de forte influência da criminalidade. Tudo isto gera frustração profissional e familiar, auto-estima deteriorada, subvalorização social, prejudicando a atuação do policial, em face de seu descontrole emocional.
A globalização do crime é ameaçadora. Uma profunda reforma da segurança pública se faz necessária, com efetiva contribuição das mais diversas entidades estatais, da mídia, da sociedade em geral, porque a segurança pública só é tarefa da polícia em seus efeitos. Poder-se-ia melhorar aproveitando a experiência do passado, quando havia os inspetores de quarteirões (entrosados na comunidade com seu policiamento velado, oculto) e a guarda noturna (com seu policiamento ostensivo, exposto), promover cursos específicos de aperfeiçoamento e adestramento, centralização e difusão de informações, pesquisas, estatísticas, assinalações. Também prejudica muito uma eficiente atividade da segurança pública a vindicta (represália, vingança) e a luta pelo espaço de atuação.
Para muitas entidades, reuniu-se o útil ao agradável. Com a Revolução político-militar (e não simplesmente militar, como se divulga hoje) veio a repressão aos descontentes, muitos deles, patriotas, idealistas e ferrenhos defensores da democracia. Posteriormente, com a anistia, atribuíram os excessos, não àqueles que os cometeram, mas aos que estavam mais a descobertos, aqueles que durante anos e anos combateram as greves ilegítimas (quando os grevistas chegavam para ocupar uma fábrica e ela já estava policiada), àqueles que dia e noite, noite e dia combatiam o tráfico de drogas, procedendo buscas e prendendo traficantes, sem as formalidades impeditivas de sua ação (a autorização de buscas domiciliares tornou lentas tais investigações, com riscos de evasão de informações, uma verdadeira proteção para os traficantes), a fiscalização de Hotéis (onde muitas vezes se escondem delinqüentes em seus atos preparatórios, além de servir de aconchego a crimes sexuais), tomavam conta dos prostíbulos, das diversões públicas e suas distorções, prendiam os truculentos até se acalmarem, guardavam em suas celas bêbados para que suas famílias tivessem o sossego necessário e não se desintegrassem, recolhiam loucos e, à mercê de sua influência, conseguiam seu tratamento, encaminhavam indigentes a seus familiares, reprimiam a violência nos campos de futebol, recolhiam preventivamente reconhecidos marginais, dirigiam estabelecimentos de recolhimento de menores, dirigiam Cadeias Públicas, tudo tranqüila e pacificamente - enfim, regulamentavam o irregulamentável.
Assim, o Delegado de Polícia, com quadro restrito e insuficiente até mesmo para preencher suas Delegacias, sem ter assentos em Ministérios, Secretarias, Câmaras, Assembléias ou em suas assessorias, foi escolhido e há toda uma orquestração contra a carreira. Muitas dessas atividades não foram substituídas por medidas legais, abrindo-se uma lacuna, com sério prejuízo para a sociedade - desintegração da família, em especial. Também excluíram os Delegados de Polícia de qualquer Comissão até das referentes à Segurança Pública, integrando-as de jejunos (isto é, pessoas leigas), em especial de sociólogos sem conhecimento elementar da atividade policial. O Delegado de Polícia há muito integra o processo sócio-cultural brasileiro. Não se pode relegar ao esquecimento acontecimentos notadamente legíslativos para não se repetir erros do passado. O artigo 19 do Código do Império, de 1832, estabeleceu: "Ficam suprimidos os Delegados de Polícia", quebrando todo o processo sócio-cultural e a evolução da História do Brasil. Houve, daí, o agravamento do crime em geral e da impunidade, com sério prejuízo à segurança pública do país. O Código de Processo Criminal de 1841 (Lei número 261 de 03 de Dezembro de 1841) e sua regulamentação (Decreto número 120 de 31 de Janeiro de 1842), traz um verdadeiro sistema fisiológico e doutrinário de segurança pública, restabelecendo a autoridade do Delegado de Polícia na prevenção e repressão do crime e da contravenção, atribuindo-lhe o julgamento das infrações menores, a saber, as que hoje denominam infrações penais de menor potencial ofensivo, objeto da Lei 9099/95. Sobre esta, muitos, até mesmo juristas de grande reputação, pretenderam tirar a exclusividade da competência do Delegado de Polícia para elaborar a peça inicial, substituto do Auto de Prisão em Flagrante Delito, portanto, de natureza eminentemente de polícia judiciária, denominada Termo Circunstanciado, querendo atribuir-lhe o caráter de simples Boletim de Ocorrência, para, deste modo, poder ser elaborado pelo agente da autoridade, com firme propósito de menosprezar as funções do Delegado de Polícia.
Verifica-se, ainda, que entidades responsáveis pela segurança pública que deveriam se integrar, são na realidade, antagônicas, disputam áreas de atuação e influência, com sério prejuízo à ordem pública e, em conseqüência, desenvolvem-se progressivamente as invasões de propriedade urbanas e rurais, propagam-se as fugas de presos, surge o crime organizado, vangloria-se a imoralidade e, para arrematar, desagrega-se a família - já tombada com a mudança de sentido da vida (e que tem como seu único e último baluarte as religiões). Por outro lado, os discursos não correspondem às atitudes - fala-se em proteger o idoso, no entanto reduzem seus salários, taxam suas aposentadorias ou pensões e os excluem de reajustes. Necessário se faz estabelecer parâmetros de atuação das entidades de segurança pública, restaurar e promover a educação, a saúde e todos os direitos de um cidadão, fomentar a ajuda aos mais necessitados, assegurar o cumprimento da lei, salvaguardar a propriedade, preservar os bons costumes, dignificar a família, em resumo: inibir os fatores que geram o descontentamento e as divergências de classe, para que tenhamos uma sociedade mais justa e condizente com a natureza humana.
© Revista Eletrônica de Ciências - Número 20 - Julho de 2003.
Fontes de pesquisa:
- Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1963. 4v.
- Cardela, B. Afinal somos homens ou ratos. Campinas: Pontes, 2000.
- Amaral, L. O. Violência e crime, sociedade e Estado. Revista Informação Legislativa, Brasília, n. 136, Out./Dez., 1997.
- Pereira, M. de M. & Pereira, V. K. de M. Subsídios para uma Política/Sistema/Fisiologia - Segurança pública. São Paulo, Revista ADPESP - Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, v. 22, n. 25.
Este artigo é antigo mas percebe-se que em segurança pública nada mudou. Continuamos com nossa polícias divididas pela massificaçâo de uma idéia que não pertece aos policiais e as nossas instituições(nâo importa se somos uma, duas ou três polícias, quiçá até quatro se o fim, a proteção da sociedade, for atingido); continuamos "pagando uma conta cara" do período ditatorial(e vamos continuar enquanto se não fizermos nada para mudar isso); nossa sociedade continua acreditando menos na sua polícia (como acreditar e nem nós acreditamos?); a criminalidade só aumentou(somos treinados para regir e não para prevenir, ação e reação é uma lei da física). Como legalistas não podemos ir contra a ordem estabelecida mas será que é necessário um embate entre a polícia e as entedidas de direitos humanos, quando o que está em jogo, é o direito humano a uma vida digna? Isso com certeza não interessa a (as) polícia (as) nem as entidades de DH, só a quem detem o poder. Infelizmente não somos nós nem vcs.
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