sexta-feira, 29 de julho de 2011

O policial é também um trabalhador


Por João da Silva
Fonte: Correio da Cidadania, 28/07/2011

A greve dos bombeiros no Rio é um tema muito interessante e que ainda dá um nó na cabeça da esquerda brasileira. Um "Coletivo Lênin", em "Por que não apoiamos a greve dos bombeiros", citou inclusive Trótsky ao dizer que "Quando um trabalhador se torna policial, operou-se nele uma mudança de consciência". Ou seja, bombeiros (força-auxiliar da PM) são trabalhadores, mas com consciência anti-trabalhadora...

Se os bombeiros são "auxiliares" das PMs, estas, por sua vez, são "forças auxiliares e reservas do Exército", conforme art. 144 p. 6º da Constituição. Porém, ainda, a função última das PMs e bombeiros é "salvar, preservar, proteger" os cidadãos.  Juram, assim, fidelidade à Pátria, à Constituição, à democracia, à vida etc. Suas reivindicações são aceitas com muito mais simpatia pela população, que tem sobretudo nos bombeiros muita confiança e admiração. Não é à toa que o governo do Rio, agora, esteja falando até em separação dos bombeiros da polícia militar...



Num dos últimos exemplares do jornal Opinião Socialista, do PSTU, descata-se a foto de um filho de bombeiro segurando o cartaz escrito "Meu pai é meu herói, e está preso". A utilização desta imagem destoa do discurso governista de Sérgio Cabral, literalmente demonizando os bombeiros como "arruaceiros", "desordeiros" e até "covardes". Cabral, parece, vem recuando em suas posições ao ver que a população do Rio apóia mais aos bombeiros e não acredita, ao menos neste caso em específico, no velho chavão governista da defesa da "Ordem". Por outro lado, é estarrecedor saber que alguns grevistas proibiram qualquer panfletagem ou divulgação de qualquer material crítico à instituição militar. Como se vê, é tema muito complexo...

Há também uma questão histórica recente que é bem problemática, que tem deixado de lado um campo de fundamental importância no processo revolucionário. Até meados de 60, o PCB mantinha forte campanha junto ao Exército, em especial junto à baixa oficialidade e aos praças. 
Esses, por conta de suas origens histórica e social, em muitos casos estiveram mais próximos dos anseios da população que dos governantes, fosse na questão da Abolição, em 1888, no Tenentismo, na Revolta contra a Chibata, em 1910, nos levantes de 1935, na guerra contra o nazi-fascismo, na campanha “O Petróleo é nosso”, na Legalidade no Rio Grande do Sul, em 1961, na revolta dos marinheiros e sargentos de 1964 etc. A esquerda nos quartéis produziu quadros como Luis Carlos Prestes, Nelson Werneck Sodré, Carlos Lamarca, Onofre Pinto, Pedro Lobo, dentre outros tantos ...

Parece imperar em grande parte das esquerdas atuais uma repulsa por parte de tudo aquilo que venha a ser militar, desprezando assim, como dissemos, uma importante trincheira na luta por uma sociedade mais justa e, pior, abrindo campo para a ultra-direita
conservadora, como é o caso dos Bolsonaros da vida, ganharem esse espaço nos corações e mentes de nossos soldados.

Com as greves (não apenas dos bombeiros, mas dos militares, de uma forma geral) dos policiais de baixa patente, que estão subordinados a uma severa hierarquia, na prática, ou seja, com a defesa do status quo, o importante sistema hierárquico militar de dominação é contestado. O grande medo dos comandantes é que este último vá pelos ares. A hierarquia militar deixa de ser a mesma, porque, agora, com as greves (proibidas nas polícias militares, das quais os bombeiros fazem parte), os de baixo começam a saber que podem questionar.

Isso não quer dizer que esses policiais se conscientizaram da necessidade de se lutar contra as injustiças sociais, mas suas próprias ações mostram para eles mesmos que o comando e suas ordens podem ser questionados. Em épocas de crise revolucionária, isso poderia levar a insubordinação geral dos comandados. Pelo menos essas greves são a única chance de que isso um dia possa acontecer. Não apoiá-las, portanto, é defender o fortalecimento da hierarquia militar e da ordem que esta defende. É não levar em conta uma luta de classes dentro da instituição militarizada. É estar do lado dos comandantes e do fortalecimento de sua instituição repressora.

A classe dominante precisa de miseráveis e alienados para fazer seu trabalho sujo. Imagine (muito hipoteticamente falando) policiais ganhando em torno de R$ 6 mil. Rapidinho teríamos uma polícia formada apenas por pessoas com diplomas universitários, já que muitos ganhariam na polícia muito mais que nas carreiras para a qual se formaram e seriam esses que passariam nos concursos devido à sua maior preparação. E pessoas com um nível intelectual mais elevado são mais difíceis de serem paus-mandados. Já começamos a vislumbrar isso desde a obrigatoriedade do Ensino Médio para o ingresso de policiais na PM. Antigamente, para se tornar PM, mal se precisava assinar o nome... 

Entretanto, o Estado do capital não está disposto, e nem em condições, de assalariar dignamente seus policiais não-oficiais.

Atos de solidariedade para com as lutas dos bombeiros e policiais militares em greve farão com que estes se sintam mais próximos dos demais trabalhadores assalariados e suas lutas que dos comandantes, governantes e a Ordem que estes defendem, sobretudo em época de crises do Capital. Certamente PMs continuarão baixando o cacete em trabalhadores, como fez o próprio BOPE contra os próprios bombeiros, se a esquerda não se posicionar diante desta luta de classe colocada e aberta. Hoje, talvez os bombeiros percebam que grupos como o BOPE são mais "camaradas" do governador do Rio do que deles. E a esquerda não pode ficar ao lado do inimigo do trabalhador em luta.

João da Silva, 61 anos, é professor de História da Rede Pública do Pará e policial militar aposentado.

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