domingo, 26 de junho de 2011

A comunidade como propulsora dos Direitos Humanos e de uma melhor Segurança Pública para todos



A comunidade como propulsora dos Direitos Humanos e de uma melhor Segurança Pública para todos

Fabiane Penedo de Andrade

O avanço da globalização e do urbanismo no Brasil tem tornado as pessoas cada vez mais juntas, porém cada vez mais distantes. As pessoas não se conhecem e deixam de ter com as outras atitudes éticas e de solidariedade. Estando as relações interpessoais enfraquecidas, os sentimentos de comunidade, tanto no sentido de preocupação com o outro, como em relação ao sentimento de pertencimento a determinado grupo, que deve ser preservado, torna-se fraco também. Desta forma o estabelecimento dos Direitos Humanos para estas pessoas não faz sentido, posto que não primam pela solidariedade, pela coletividade. Não há ética humana quando a preocupação maior é consigo próprio e com as satisfações que o dinheiro pode proporcionar através do consumo.
Muitos estudiosos acreditam que no Brasil nunca houve cidadania estabelecida em direitos e deveres públicos. Os que têm dinheiro pagam seus privilégios (saúde, educação, moradia, segurança), os que não têm como pagar, mendigam alguns direitos e, quando os conseguem, agem como se tivessem também obtido privilégios. O geógrafo Milton Santos explícita bem esta teoria da cidadania brasileira e todos os processos que ela desencadeia:

“Consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão. É certo que no Brasil tal oposição é menos sentida porque em nosso país jamais houve a figura do cidadão. As classes chamadas superiores, incluindo as classes médias, jamais quiseram ser cidadãos, os pobres jamais puderam ser cidadãos. As classes médias foram condicionadas a apenas querer privilégios e não direitos. E isso é um dado essencial do entendimento do Brasil: de como os partidos se organizam e funcionam; de como a política se dá, de como a sociedade se move. E aí também as camadas intelectuais têm responsabilidade, porque trasladaram, sem maior imaginação e originalidade, à condição da classe média européia, lutando pela ampliação dos direitos políticos, econômicos e sociais, para o caso brasileiro e atribuindo assim, por equívoco, à classe média brasileira um papel de modernização e de progresso que, pela sua própria constituição, ela não poderia ter” (SANTOS: 2000, pp. 49-50)

Este estado de alheamento e falta de solidariedade, preocupação apenas com o consumismo, com o dinheiro, com a competitividade e com o poder, está permeado por diversas violências que derivam de uma violência estrutural, causada pela perversidade do consumo nesta era de globalização. É esta perversidade que torna as pessoas egoístas, sem ética e sem noção de vida política.
Durante a Idade Média, os cercamentos que se criaram àquela época, para alguns foi o nascimento das cidades. As pessoas que viviam cercadas por uma muralha buscavam, neste cercamento e na proximidade com os outros, uma solidariedade mútua, uma acolhida entre os seus iguais, que simbolizava também a identidade destes moradores, a identidade destes cidadãos. Daqui surge a ideia de comunidade, daquilo que era igual a todos aqueles que residiam dentro daquela muralha. Esta solidariedade mútua e a igualdade dentre aqueles moradores era, inclusive, responsável pela prevenção da criminalidade. Todos se conheciam, logo reconheciam alguém estranho, que poderia ser um inimigo, e alertavam os demais e protegiam-se.
Com o crescimento das cidades, sobretudo a partir do século XIX, com a prevalência dos ideais burgueses, dentre eles a liberdade, o que era importante agora era não ser mais reconhecido pelas pessoas. O ideal burguês era transitar com liberdade e não ser mais reconhecido e nem controlado por ninguém, não ter mais esta percepção de todos os moradores serem iguais e pertencerem a uma comunidade.
Esta ideia de comunidade torna-se ainda mais fraca neste início de século XXI, em que as relações, como diria Zygmunt Bauman, são mais fluídas, sem consistência. Virtualmente, comunidade continua com o sentido de agregar os que têm características comuns (vide as comunidades nas redes sociais da internet). No entanto estas comunidades não podem vigiar os seus iguais de terem suas casas invadidas por inimigos, por exemplo. Por outro lado, a palavra comunidade atualmente designa também os moradores de favelas, de pessoas que vivem juntas, que são, geralmente, mais ou menos semelhantes econômica e socialmente e que podem, solidariamente, alertar os demais moradores quanto à presença de inimigos. Estas comunidades em favelas podem ainda serem regidas por uma política paralela ao poder do Estado, ter um líder envolvido com a criminalidade que garante à população daquele grupo uma ética e uma solidariedade distintas das mais comuns (porém o artigo não pretende adentrar mais profundamente neste assunto porque não é seu objetivo).
No geral, atualmente, nas grandes cidades brasileiras permeia com força este ideal burguês de não haver comunidade ao estilo da que foi se criando na Idade Média, tampouco há a responsabilidade e a solidariedade com o outro, o que faz com que as relações humanas sejam guiadas pela perversidade. Disse Milton Santos sobre isso:
“Na verdade a perversidade deixa de se manifestar por fatos isolados, atribuídos a distorções de personalidade, para se estabelecer como um sistema. Ao nosso ver, a causa essencial da perversidade sistêmica é a instituição, por lei geral da vida social, da competitividade como regra absoluta, uma competitividade que escorre sobre todo o edifício social. O outro, seja ele empresa, instituição ou indivíduo, aparece como um obstáculo à realização dos fins de cada um e deve ser removido, por isso, sendo considerado uma coisa. Decorre daí a celebração dos egoísmos, o alastramento dos narcisismos, a banalização da guerra de todos contra todos, com a utilização de qualquer que seja o meio para obter o fim colimado, isto é, competir e, se possível vencer. Daí a difusão, também generalizada, de outro subproduto da competitividade, isto é, a corrupção”. (SANTOS: 2000, p. 60)

No estágio atual do século XXI as pessoas vivem com “princípios” que parecem anteriores à época das comunidades medievais. Elas vivem como na época primeva, em que não havia noção de moralidade pública e solidariedade, na guerra de todos contra todos. E para este estado caótico e sem ética, parece que ainda não há solução.
No entanto, para Milton Santos, a cultura popular ainda pode fazer frente à cultura de massa, à ideologia perversa do dinheiro, da competitividade e do poder. Isto porque, como as antigas comunidades, as pessoas ainda vivem num território e é aí que as pessoas podem articular-se localmente, por o ser humano no centro das ações, ao invés do dinheiro. É assim que a população mais pobre, que é a maioria, se contrapõe a esta ditadura do mercado e passa a defender ideais humanistas e decide por romper com a ideologia de submissão perversa colocada por esta globalização.
Seguindo nesta perspectiva e pensando as relações dos agentes de Segurança Pública neste embate entre a ideologia da globalização – que gera uma violência estrutural –, e a reação popular territorial local, antevista por Milton Santos, percebe-se que para que estes agentes sejam propulsores de uma transformação na Segurança Pública, eles devem, sobretudo, ter um acesso democrático à educação de qualidade, construtora de autonomia intelectual e juízo moral dos indivíduos (BALESTRERI, 2010, p. 117). É isso que desencadeará a reação contra a perversidade da globalização, não apenas dos agentes de Segurança Pública, mas da população como um todo.
Propõe-se aqui a educação geral como propulsora da reação popular contra a violência estrutural que conduzirá a uma situação de ética e solidariedade humana fortalecedora dos Direitos Humanos de todos, em que todos são cidadãos de direitos plenos e não “não-cidadãos” ou “cidadãos de direitos comprados” como é uma grande parcela da população brasileira.


Bibliografia

BALESTRERI, Ricardo B. “Agentes de manutenção ou construtores da transformação? A educação em Direitos Humanos e o protagonismo social dos profissionais da Segurança Pública”, In: SILVA, Ainda M. M. e Tavares, Celma. Políticas e fundamentos da Educação em Direitos Humanos. São Paulo: Cortez, 2010.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

FREIRE, Paulo. “Globalização ética e solidariedade”. In RESENDE, P. DOWBOR, L. e IANNI, O., Desafios da Globalização, Petrópolis, Vozes, 1999.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. São Paulo: Record, 2000.

2 comentários:

  1. Fabi, excelente texto!! Consciente e atual, como era de se esperar vindo de vc.
    Obrigada pela contribuição e pelo apoio que vc está dando junto ao trabalho que desejamos fazer: uma segurança pública melhor pra uma sociedade melhor. Direitos Humanos pra todos!!

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  2. A globalização ainda não conseguiu a realização da equidade social das nações, apenas reforça o bolso dos investidores e capitalistas selvagens, um exemplo clássico é o alimento que seria para alimentar a fome dos pobres mortais se tornou um lucro sem prescendentes para a humanidade as tais commodities como gafanhotos mercantilistas estas personalidades do mundo do businnes encarecem cada vez mais a comida da humanidade.
    Segundo dados da FAO cerca de 1 bilhão de pessoas passam fome diariamente em todo o mundo. Mais de 150 milhões de meninos e meninas passam fome ou são desnutridos. Outras 17 mil crianças perdem a vida por não terem o que comer.
    Os Direitos Humanos não conseguem avançar nesta questão devido aos interesses famigerados destes aristocratas.

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