quinta-feira, 5 de julho de 2012

A necessidade de um novo modelo policial

Através desse texto procuramos respostas para entender as constantes ondas de violência protagonizadas por facções criminosas. No entanto precisamos enfrentar essa questão de segurança pública, bem como todas as ações que visem proporcionar segurança a população com ações efetivas e articuladas, pois NÃO É repetindo e acreditando que essas facções não existem ou que estão "sob controle" que vamos satisfazer as expectativas do povo em viver com segurança.
As ações devem ser voltadas ao combate antecipado de possíveis fatos criminosos ou atos que possam desencadear crimes premeditados que atentem contra o poder público. Vamos acordar e priorizar grandes ações contra o crime organizado e secundariamente priorizar a  "caça as bruxas" internamente, deixando que os princípios da administração pública possam efetivamente ser conjugados nas instituições de segurança pública, tais como impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência !!! 

A necessidade de um novo modelo policial

por Adriano Oliveira**
fonte: Revista Espaço Acadêmico - Ano III - n.º 25 - JUN/2003 ISSN 1519.6186


Os acontecimentos violentos que viram notícias revelam para a opinião pública a dimensão do problema da violência no Brasil. Desde a década de 80, assistirmos ao desenvolvimento de organizações criminosas. Por conta disso, a criminalidade no Brasil deixou de ser uma questão meramente de ato individual, para ser algo complexo, onde indivíduos organizados atuam à margem do Estado em busca do lucro através de atividades ilícitas.
O crime organizado possui as seguintes características: 1. Atividades ilícitas; 2. Hierarquia; 3. Planejamento empresarial; 4. Controle territorial; 5. Monopólio da violência; 6. Uso da intimidação; 6. Simbiose com o Estado; 7. Clientelismo (Mingardin, 1998: p. 17). Contudo, as ações das organizações criminosas não se restringem aos morros, mas também estão presentes nas esferas do poder político e econômico.

Por conta disso, não é obrigatório para a definição da organização criminosa a presença de todas as características evidenciadas; mas parte delas. Porém, toda organização criminosa tem como objetivos básicos a busca do lucro; a interação com os poderes do Estado; e se aproveita – e aqui pode está um dos motivos principais da existência de organizações criminosas – do Estado clientelista e patrimonial.
As organizações criminosas possuem como sustentáculo o poder político e o econômico. Quando falo em poder político, estou falando em poderes do Estado, ou seja, o Sistema de Justiça [1] , o Legislativo e o Executivo. Através destes poderes, as organizações criminosas tentam capturar agentes públicos para servirem aos seus interesses. O poder econômico está presente na lavagem de dinheiro e em fraudes fiscais.
Uma questão importante, que deve ser esclarecida, é que o crime organizado não se caracteriza apenas por atuar com o narcotráfico e com o roubo de cargas. As atividades das organizações criminosas vão desde o tráfico de drogas, a fraudes fiscais e a interferência em licitações públicas (Fiorentini, 1995). Neste sentido, compreendo que a discussão em torno da criminalidade organizada no Brasil está desfocada por conseqüência da miopia, intencional ou não, dos atores que decidem analisar ou combater o crime organizado. Por conta disso, as argumentações em torno da eficiência da polícia brasileira no combate a criminalidade, especificamente a da Polícia Civil, esconde as variáveis/motivos obscuros que levam as instituições policiais a serem ineficientes.
Na área das Ciências Sociais existem poucos trabalhos que analisam os motivos que levam as instituições policiais a serem ineficientes e as práticas sociais existentes dentro delas. Dentre as obras acadêmicas recentes que procuram discutir a relação causal que proporciona a existência de uma polícia ineficiente ou os seus mecanismos internos destaco Soares (2000), Lima (2002), Beato (2002) [2] .
Soares mostra a sua experiência no desenvolvimento de políticas públicas na área da segurança no período de 1999 a 2000. A obra de Soares evidencia fatos empíricos que possibilitam a especulação sobre o por que da polícia fluminense não combater a criminalidade de modo eficaz. Soares revela pouco do lado obscuro das instituições policiais – não uma especificamente. Lima traz à tona a relação entre formação policial e policia eficiente. Beato mostra a importância do planejamento para uma ação policial eficiente [3] .
No entanto, nenhuma das três obras citadas mergulha no submundo, que até então era obscuro, da dinâmica interna da instituição Polícia Civil. Zaverucha (2003), por meio de uma pesquisa empírica e enriquecida com uma análise sofisticada teoricamente, revela os mecanismos internos da Policia Civil de Pernambuco, proporcionando assim, que as variáveis que possibilitam que uma polícia seja ineficiente sejam esclarecidas. Esclareço que o autor não explicita que a sua obra possibilita a explicação do por que da Polícia Civil de Pernambuco atuar de modo ineficiente no combate à criminalidade.
Neste sentido, destaco quatro pontos principais na obra de Zaverucha: as práticas policialescas, a relação entre polícia e política eleitoral, o inquérito policial e a falência da polícia Técnica-Científica. Esses quatro pontos devem ser compreendidos como variáveis causais que possibilitam a ineficiência da instituição policial. Porém, essas variáveis também revelam como a Polícia Civil de Pernambuco contribui para a descaracterização do Estado de Direito.
De acordo com Zaverucha, as práticas policialescas caracterizam-se por serem ações policiais ilegais, aéticas ou atécnicas. Dentre as práticas policialescas, o autor refere-se ao “chaveiro de cela”. Este “chaveiro” é encontrado em delegacias que concentram um grande número de presos. O papel do “chaveiro de cela” é tomar conta de outros presos. Este papel é conquistado pelo fato de o preso possuir bom comportamento. Friso que essa prática é ilegal e aética. Como pode um preso atuar com agente do Estado?
Além do “chaveiro de cela” são encontradas nas delegacias pernambucanas pessoas presas ilegalmente. Isto ocorre baseado na retórica/desculpa de que o indivíduo foi preso para averiguação. Saliento que as prisões ilegais não ocorrem com a garantia jurídica, ou seja, com mandato judicial ou por conta do flagrante delito. O livro de Zaverucha revela que os policiais civis fazem prisões ilegais motivados pelo fato de que se a polícia seguir estritamente o que a lei manda, a instituição policial não apresentará resultados.
Algo muito importante encontrado na obra de Zaverucha é a conivência dos órgãos de comunicação com as práticas policialescas. A mídia ao chegar numa delegacia não está interessada se a prisão foi ilegal ou não; ou se a pessoa realmente cometeu algum tipo de crime. O interesse principal da mídia é divulgar o fato para garantir audiência. O policial também lucra com esse tipo de comportamento midiático, pois ganha notoriedade junto à opinião pública, à mídia e à instituição policial.
É ainda muito comum em Pernambuco a existência do “araque de polícia”. O “araque” atua como informante da polícia. Em troca, o “araque” recebe vantagens materiais ilícitas e acobertamento dos seus próprios delitos. Na verdade, o “araque de polícia” evidencia a cooperação ilícita/corrupta existente entre um informante e um policial. O “araque” também atua em delegacias do interior fazendo funções do servidor policial [4] .
Zaverucha evidencia, baseado em informações da imprensa e entrevistas, como a interferência política orienta o trabalho policial; a nomeação de delegados, ou o afastamento destes; o arquivamento de um inquérito policial, ou a omissão na sua construção; o envolvimento de policiais na política eleitoral; a troca favores policiais em troca de votos; e o controle político do sindicato dos policiais civis por um único partido político por uma década. Tudo isso reflete como a polícia contribui para reforçar o Estado clientelista brasileiro.
Ressalto que em um Estado clientelista o interesse público não é o que predomina, mas o interesse privado. Neste sentido, questiono: como pode existir uma polícia eficiente, se os interesses dos seus agentes nem sempre são pautado pelo bem comum? Uma polícia pode ser considerada democrata quando as suas ações são orientadas por troca de favores? Qual é a qualificação de um inquérito policial onde o interesse público choca-se com o privado?
O inquérito policial é monopólio do delegado de polícia. O delegado decide que provas colocar no inquérito e que testemunhas chamar. É comum, e isto Zaverucha revela, policiais militares executarem um ato de prisão, entregar o delinqüente ao delegado, mas nunca ter sido chamado para depor na justiça. O que aconteceu? O delegado fez algum acordo? Ou o delegado descobriu que os policiais militares prenderam o indivíduo ilegalmente?
Uma polícia eficiente não se faz apenas com mais viaturas e armas. Para uma investigação obter sucesso se faz necessário uma polícia Técnica-científica. Em qualquer ocorrência policial que existam vítimas, a polícia científica é requisitada. Uma investigação sobre homicídio, a identificação de um indivíduo, um exame de DNA; tudo isso são funções da polícia Técnico-científica. Zaverucha evidencia que em Pernambuco a Polícia Técnica-científica está falida.
A leitura do livro de Zaverucha possibilita os seguintes questionamentos: será que a Polícia Civil brasileira está apta a combater o crime organizado? Como a Polícia Civil pode combater o crime organizado se o seu funcionamento é pautado, em certa medida, por interesses políticos? Não é o poder político junto com o poder econômico que sustenta o crime organizado? Como falar em democracia no Brasil se a polícia ainda faz prisões para averiguação? Como podemos ter duas polícias nos estados – Polícia Militar e Polícia Civil – fazendo trabalhos diferentes [5] ? Isto promove a eficiência no combate à criminalidade? Qual é o papel do delegado de polícia: fazer investigação ou apenas inquéritos?
A necessidade de reformar a instituição Policial Civil é apresentada no livro através de vários dados empíricos. Dados estes que comprovam que a sociedade brasileira, em especial a pernambucana, está diante de uma instituição policial onde as regras do jogo são os interesses privados, o corporativismo, a ausência do accountability [6] , e o desrespeito ao direito individual. Além disso, o leitor encontrará no livro relatos que comprovam a existência da corrupção policial, principalmente por parte dos delegados.
Compreendo que a obra de Zaverucha veio contribuir para a discussão sobre o funcionamento de uma instituição tão importante como a Polícia Civil. Esclareço que a Polícia Civil tem o monopólio da investigação no sistema estadual de polícia. Sem investigação, lembro, não temos ação policial eficiente. Friso por fim, que a obra de Zaverucha tem uma qualidade que muitos trabalhos da área de Ciência Política deixam a desejar, ou seja: tentar explicar o por que, por meio de dados empíricos, de um determinado comportamento institucional.

**ADRIANO OLIVEIRA
Doutorando em Ciência Política na UFPE. Oliveira é autor do livro Tiros na democracia – De que lado ficou a imprensa na greve da Polícia Militar de Pernambuco no ano de 1997? - Editora Bagaço, 2001

[1] Inerente ao Sistema de Justiça está o Ministério Público, o Poder Judiciário e as Polícias.
[2] Para uma revisão teórica e bibliográfica sobre violência, eficiência e ação policial ver Zaluar, 1999.
[3] Ressalto que as obras de Lima (2002) e Beato (2002) são artigos. Contudo, tratam da questão da ineficiência policial.
[4] Esta última informação não está no livro de Zaverucha. Faço esta assertiva baseado em relatos de policiais a minha pessoa.
[5] Atualmente se discute a desconstitucionalização das forças policiais. Caso isso ocorra, cada estado pode determinar por lei que tipo de polícia deseja ter; além de determinar as funções de cada uma; como por exemplo: toda polícia existente em determinado território deve fazer o ciclo policial completo.
[6] O termo accountability significa prestação de contas. Isto significa que as instituições devem prestar contas à sociedade da sua atuação em um regime que se diz democrático.

BIBLIOGRAFIA
BEATO, Cláudio. (2002), “O Centro de Estudos da Criminalidade e Segurança Pública – Crisp e a formação em análise de políticas de segurança pública”, in Jorge Zaverucha, Maria do Rosário & Negreiros Barros (org), Políticas de segurança pública: dimensão da formação e impactos sociais. Recife, Massangana.
FIORENTINI, Gianluca; PELTZMAN, Sam. The economics of organised crime. New York, University of Cambridge.
LIMA, Roberto Kant de. (2002), “Políticas de segurança pública e seu impacto na formação policial: considerações teóricas e propostas práticas”, in Jorge Zaverucha, Maria do Rosário & Negreiros Barros (org), Políticas de segurança pública: dimensão da formação e impactos sociais. Recife, Massangana.
MINGARDI, Guaracy. (1998), “O que é crime organizado: uma definição das ciências sociais”. Revista do ILANUD, n. 8: 25-7.
SOARES, José Luiz. (2000), Meu casaco de general: quinhentos dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. São Paulo: Companhia das Letras.
ZALUAR, Alba. (1999), “Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização”. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 3, n. 3: 17-3.


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