quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Reformar ou remendar a segurança pública?

Com o fim do ano se aproximando necessitamos renovar discussões e ações principalmente, visando o trabalho de segurança pública e os rumos que devemos seguir em busca da valorização da carreira policial. Assim, para encerrar esse período e adiantar a continuidade do trabalho, colocamos o texto que se segue, pertinente àquilo que batalhamos. As informações referem-se ao Estado de Minas Gerais, mas são perfeitamente aplicáveis em São Paulo, Rio de Janeiro e ao restante do país, respeitadas as particularidades de cada região. Abraços a todos!

Reformar ou remendar a segurança pública?

Robson Sávio Reis Souza - Belo Horizonte(MG) - 04/11/2011

O objetivo desta reflexão é, modestamente, discutir - em espaço tão qualificado como este - acerca da necessidade de reformas na segurança pública brasileira. Para tanto, utilizamos do caso de Minas Gerais, como fulcro para essa discussão. É verdade que nos últimos 20 anos tivemos uma pequena revolução no setor. Porém, a renitência da violência urbana e estatal denuncia que as modificações foram insuficientes para romper com velhos vícios ainda presentes na estrutura estatal da segurança.

Se no âmbito da política a segurança pública é hoje um direito de cidadania, no campo operacional, ou seja, no campo das ações de segurança, há um longo caminho a ser percorrido. Aplaudida como uma reforma alvissareira para a política de segurança pública brasileira, a criação da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas, em 2003, apresentou novos arranjos organizacionais que propunham reformar a segurança mineira, com vistas à integração policial, à consolidação de ações estratégicas no campo da prevenção à criminalidade e à eficiência da gestão policial.


É fato que a nova estrutura organizacional conseguiu avançar em vários aspectos. Porém, passados oito anos, parece que tais mudanças nos arranjos institucionais foram incapazes de reformar o setor. Alguns indicadores apontam que há sinais de esgotamento no modelo atual: (a) o (ainda) alto índice dos homicídios, principalmente juvenis, em grandes cidades mineiras; (b) os óbices que impedem uma integração policial (houve avanços numa integração espacial [com a criação das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP)], insuficiente para integrar operacional, técnica e culturalmente as duas polícias); (c) as evidentes preferências do Executivo no tratamento diferenciado em relação às duas corporações policiais – o que prenuncia evidentes preferências, além de eventuais conflitos; (d) gargalos nos sistemas prisional (que em oito anos duplicou) e de medidas socioeducativas (ainda persistem adolescentes acautelados em situações degradantes, principalmente no interior do estado); (e) a inconsistência dos mecanismos de controle externo das polícias (houve a criação de uma corregedoria integrada, mas também um evidente esvaziamento das ações da Ouvidoria de Polícia – que era considerada um modelo no Brasil, até 2005); (f) as deficiências no principal mecanismo de coleta e produção de informações da área da segurança, denominado Registro de Eventos de Defesa Social (Reds), ocasionando estatísticas pouco confiáveis; (g) além da falta de transparência dos dados de defesa social em Minas, que deixaram de ser apresentados à população.

Em artigo publicado recentemente, defendemos a idéia de que o esgotamento (que pode ser conjuntural) seria fruto da falta de governança na área da segurança pública no estado. Entendemos por governança o conjunto de regras, processos e práticas que dizem respeito à qualidade do exercício do poder, essencialmente no que se refere a sua responsabilidade, transparência, coerência, eficiência e eficácia; ou seja, como se dá “a condução responsável dos assuntos do Estado” numa determinada área; no caso, na política de segurança. As práticas de governança são fundamentais para uma política de segurança pública porque são “calcadas em elevados padrões éticos e voltadas à promoção da transparência das ações dos governos”, permitindo a participação social.

Ou seja, o governo mineiro deu passos importantes para uma reforma no setor, porém, parece incapaz de aprofundar as mudanças com vista a modificar o sistema. Isto porque, apesar do novo desenho institucional, percebemos que persistem muitos entraves do modelo anterior, baseado: (a) em instituições policiais que não superaram os modelos tradicionais tanto de policiamento ostensivo, quanto de policia judiciária – o que poderia explicar os óbices para a integração policial no estado; (b) num sistema prisional que, não obstante os investimentos em ampliação de infraestrutura e de recursos humanos, ainda está fundado na contenção dos detentos, sem oferecer objetivas condições de reinserção social; (c) numa política de enfretamento das drogas insuficiente, desarticulada e que não responde à complexidade do tema; (d) numa Defensoria Pública cuja ação é limitadíssima pelo escasso número de servidores e alcance de suas ações; (e) na inexistência de mecanismos efetivos e autônomos de controle externo das ações policiais; (f) na falta de transparência dos dados de segurança pública; (g) na ausência de participação social nos mecanismos de gestão e controle da política. O Conselho Estadual de Segurança Pública sequer funciona.

É sabido que reformas nas políticas públicas, de quaisquer setores, são complexas e tem custos políticos, às vezes, elevados. Porém, é cada vez mais evidente que a segurança pública precisa avançar no rol das políticas básicas para a garantia dos direitos de cidadania e para a concretização de um estado democrático e de direito. É imperioso concordar que as bases das mudanças implantadas em 2003 são fundamentais para reformas de cunho mais estrutural. Dado que o estado de Minas propôs um novo modelo de gestão da segurança pública, seria importante avançar nas conquistas acima delineadas.

Assim, uma primeira ação para uma reforma, de fato, se dá no campo da política. É preciso decisão do governo em efetivar as mudanças de cunho mais estrutural, principalmente em relação à integração policial, controle externo da atividade policial, transparência dos dados de segurança e mecanismos de participação social. A base da reforma (que mudaria de fato a política da segurança pública em Minas) estaria em fazer valer o desenho institucional atual. Ou seja, sair do campo do formal para o campo do real aquilo que foi idealizado nos arranjos de 2003. Sendo mais claro ainda: garantir à Secretaria de Estado de Defesa Social a governança da política de segurança. Isto porque, até agora, quem governa a política, de fato, são as instituições policiais (principalmente a Polícia Militar) – porque têm expertise na área; corpo técnico altamente profissionalizado (e relativamente insulado); a gestão da informação do setor; liberdade orçamentária; a gestão e formação de seus quadros.

Levando-se em conta as especificidades, as raízes histórias e a assimetria informacional que existem na área da segurança pública, sabemos que quem detém os dados, têm corpo técnico especializado e comando operacional das ações, é, ao fim e a cabo, quem detém o poder de decisão da política.

Fonte: http://www2.forumseguranca.org.br

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